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A Visão da Wicca Sobre o Sagrado

 

O Divino para a Wicca é considerado o centro da energia de todas as coisas que existem. A vida é uma inquebrantável teia de energia vibrante e esta energia é Divina. A maioria dos Wiccanianos compreende esta energia como a Deusa e entende o universo inteiro como o corpo Dela - incluindo a energia física e mental, assim como as forças da natureza e as leis da física. O Divino é então imanente, o que significa que ele está aqui, neste momento e presente em todo o mundo: é a natureza manifestada. Porém, outros Wiccanianos entendem o Divino de maneira diferenciada. Vamos explorar as diferentes visões sobre o Sagrado reconhecidas pelos praticantes da Arte, para que você se situe nesse vasto universo de crenças e perceba qual das formas se encaixa melhor na sua forma de ver o Divino durante seus rituais e invocações.

 

O DIVINO COMO A DEUSA PRIMORDIAL

O Divino é a Deusa primordial. Ela é a fonte de toda a vida, e a força vital provém e flui através Dela. A Deusa é a Deidade primordial, sobrenatural, a força criativade toda a vida. Se existe um Deus, ele é o filho, consorte, ou uma manifestação da Grande Deusa. Qualquer outra divindade que possa existir provém Dela. Na realidade, as múltiplas divindades reconhecidas e invocadas podem ser vistascomo diferentes aspectos da Deusa. Pensemos em um imenso corpo (Deusa) quepossui e é formado por vários órgãos e membros (Deuses). Nenhum dos órgãos e membros (Deuses) vivem e atuam aparte do corpo (Deusa) e necessitam estar plenamente presentes nele para realizar suas funções com êxito. Assim, os muitos arquétipos Divinos e Deuses não são encarados como “criações” ou forças que vivem aparte deste imenso corpo Divino, mas fazem parte dele. Da mesma maneira que o pé não desempenha as mesmas funções da mão ou do coração, quando invocamos ou chamamos uma divindade por este ou aquele nome é como se estivéssemos usando uma ou outra parte de um imenso organismo vivo. Quando dizemos que todas as Deusas são a Deusa e todos os Deuses são o Deus, estamos vendo o Divino por esta perspectiva. Como autora e Sacerdotisa Diânica Ruth Barrett diz:

“existem somente dois tipos de pessoas no mundo: as mães e seus filhos”.

Neste grande corpo divino não estão presentes somente os Deuses, mas nós também. Todos fazemos parte dele e vivemos nele. A vida só é possível porque este corpo divino (a Deusa) vive. Quando invocamos esta ou aquela divindade estamos interagindo com as diferentes parte deste organismo divino da mesma forma que o coração interage com as artérias, que interage com o sangue, que circula por todo o corpo, interagindo inclusive com as bactérias que vivem no organismo. E assim tudo está unido numa teia sem fim. Mesmo sendo imanente, o Divino é transcendente no sentido de que é um ser pensante, criativo e sobrenatural independente.

 

DIVINO COMO FONTE PRIMORDIAL

Muitos Wiccanianos estão reconciliando suas crenças espirituais com os ensinamentos dos novos físicos que desenvolveram a teoria chamada de Sutil Não-manifesto. De acordo com as novas visões propostas pela física, o Divino é uma inteligência divina ativa e criativa, a fonte da energia para tudo o que existe. De acordo com essa teoria, esta inteligência divina existia antes que o cosmos fosse formado e toda realidade provém dela. Tudo está conectado porque toda a realidade flui da fonte primordial, que abrange todo o tempo e espaço, todas as dimensões e planos de existência. Tudo o que existe se desdobra a partir desta fonte e então retorna a ela, num ciclo sem fim. As pessoas continuadamente têm novas experiências e adquirem conhecimentos e insights.

 Todas estas informações se tornam parte da fonte primordial de energia e a fonte se expande e evolui. As pessoas são parte desta fonte, assim elas também evoluem, crescem e alcançam níveis mais sofisticados de inteligência. A fonte, o coração energético que alimenta o cosmos, está sempre em movimento, avançando e evoluindo. As pessoas também são parte desta evolução e são peça chave nesse avanço. Nossa própria inteligência e percepção nos permite perceber esta fonte. Nossa consciência age como uma ponte entre o mundo real e esta inteligência divina. Através de nossas consciências, acessamos informações de nossas experiências no mundo e compartilhamos com o Divino e através de nossa consciência também podemos receber informações desta fonte primordial de energia para usá-la no mundo. Esta visão é consistente e compatível com a maneira através da qual o Paganismo encara sua relação com o Sagrado. Mesmo que a linguagem e teoria física sejam contemporâneas, ela não é diferente da idéia da Deusa primordial como força vital e um ser criativo.

 

A NATUREZA DA DIVINDADE

Muitos Wiccanianos honram e cultuam múltiplas divindades. O entendimento do que os Deuses são de verdade varia enormemente entre as pessoas e Tradições.

Estes seres podem ser vistos como diferentes aspectos ou partes da Deusa ou entidades separadas Dela. Alguns compreendem os Deuses como seres sobrenaturais, forças da natureza ou arquétipos. Alguns Wiccanianos honram e cultuam a Deusa e o Deus e não se sentem forçados ou inspirados a nomeá-los. Outros, sentem fortemente que devem nomear seus Deuses para honrá-los, cultuá-los e interagir com eles. Uma vez que o inconsciente coletivo é inerente a todos os povos da Terra, os muitos mitos que as diversas culturas produzem são semelhantes, mesmo que estes grupos estejam completamente separados pelo tempo e regiões. No interior do inconsciente coletivo estão presentes os arquétipos, ou seja, as figuras que aparecem constantemente nos mitos e religiões de todos os povos: a Grande Mãe, o Pai Céu, o Guerreiro, a Criança Divina etc. No interior deste universo pessoal vive também um arquétipo que Jung nomeou de “Self”. Esta é a parte de nós que está além de nosso Eu cotidiano, é aquela parte de nós que sobrevive além da morte do corpo. É com este material do inconsciente coletivo que a Wicca trabalha: o arquétipo dos Deuses, o Self e a relação entre eles. Os arquétipos dos Deuses servem como arquétipos duplos de forças divinas que se movem no universo e no mundo exterior, mas ao mesmo tempo são arquétipos de nossa própria divindade interior, o Self.

 

Quando invocamos a Deusa e o Deus nos sintonizamos com a centelha divina dentro de nós. Este conceito, de que estamos ao centro de nossa Divindade, é difícil para ego alcançar. Geralmente vemos o Divino dentro de nós como uma divindade externa, mas ele é a manifestação da divinização da Divindade interior , daquilo que somos e não a Divindade exterior. Somos tanto humanos quanto Divinos e em nossos encontros iniciais com o Self, podemos percebê-lo não como um Deus ou Deusa mas na forma arquetípica de seres espirituais que encontramos em nossas jornadas meditativas. Geralmente nesses momentos encontramos com a figura do sábio ou da sábia que aparece em nossos sonhos e jornadas de meditação. Na realidade esta figura que se apresenta à nós nessas ocasiões é o próprio Self. Os primeiros encontros com o Self através dos processos de invocação e ritual podem ser problemáticos, pois o contato com essa essência divina pode criar em nós a sensação de onipotência. Isso acontece porque no decorrer dessa experiência mística, um arquétipo pode seqüestrar o ego. Nessas ocasiões o arquétipo aparece de maneira estranha, como se não pertencesse à consciência e se nos identificarmos com ele, isso poderá causar altos danos mudando nossa personalidade, geralmente causando a megalomania ou o seu oposto. A identificação com um arquétipo particular de uma Deusa ou um Deus é o centro dos rituais religiosos e mágicos de muitas religiões, inclusive da Wicca. Invocações criam uma mudança temporária dentro de nós, mas a função de todos os sistemas espirituais é tornar essa mudança permanente. Quando puxamos a lua ou o sol para baixo, por exemplo, fazemos uma ponte entre o nosso eu cotidiano, o ego e o nosso Eu Divino. Quanto mais acessarmos este Self através da invocação e ritual, mais e mais esta ponte se fará permanente até que a cruzamos e em vez do nosso ego alcançar o contato com o Self, o centro de nossa consciência será transferido para ele. Se o Divino está dentro de nós, ele é meramente psicológico, uma construção imaginária? As formas externas dos Deuses são reais? Podemos dizer que o que estamos personificando de maneira a refletir nosso eu inconsciente é o poder da força divina em termos de símbolos. Na Wicca podemos dizer que aquilo que está por trás da imagem é uma realidade divina. Estas imagens não são suposições, são verdadeiras expressões da natureza do Divino traduzidas em termos humanos e nós, conseqüentemente, as tratamos com respeito e honra. A total natureza desta realidade está além do nosso entendimento humano e nós, por sua vez, vestimos esta realidade multifacetada em imagens arquetípicas que são expressão da verdade parcial, mas não da verdade completa. Os Deuses são considerados expressões do Divino dentro da humanidade. Os Deuses também são considerados forças divinas operando no universo. Se eles são vistos como aspectos de uma força vital impessoal ou como seres cósmicos com uma individualidade, irá depender de nossa própria experiência interna e cada pessoa irá interpretar isso de maneira diferente. Porém, na Wicca, ambos os conceitos da natureza do Divino repousam nas antigas interpretações Pagãs de dois grupos de filósofos gregos: os Neoplatônicos e os Estóicos. Os Pagãos Neoplatônicos viam o Divino como um ser que era de uma natureza diferente da humanidade, fora do mundo criado da transcendência. Os Estóicos acreditavam que o universo era Divino por si só e que os seres humanos eram parte desta divindade. Na Wicca contemporânea a maioria das pessoas aceita que o Divino é imanente, enquanto outras pessoas acreditam que ele também é transcendente. Macha Nightmare explica isso muito bem em um trecho do seu livro Witchcraft and the Web:

''Muitos de nós experienciamos o Divino como imanente, em vez de transcendente, porém podemos também experimentar o Divino em formas que transcendem e de maneira que transformem. Vemos a divindade dentro do mundo e como o mundo; o mundo não está separado do sagrado. Em um de seus livros o Alto Sacerdote Gardneriano, Gus diZerega nota que ‘o mundo nunca está completamente separado do Sagrado, e então ele possui intrínsecos valores que somos obrigados a respeitar, e que é um pouco independente de nossas próprias preferências’. Ele mais pra frente explica: ‘Quando vemos a espiritualidade Pagã como um todo, iremos encontrar uma extensa ênfase ao longo deste ponto. Algumas pessoas irão enfatizar a dimensão Divina transcendente...outros irão enfatizar mais as dimensões espirituais imanentes...mas ao menos todas as tradições Pagãs reconhecem a existência de ambas dimensões’. Panteístas vêem o Divino em tudo, acreditando que o Divino é onipresente. Eles concebem o universo físico como Divino em sua totalidade. Uma de suas visões é a imanência. Panenteístas, no entanto, concebem o Divino de duas formas como transcendente e imanente. Irei descrever a mim mesma como sendo panenteísta. Percebo a Deusa preenchendo e imbuindo todas as coisas, incluindo meu próprio ser. Eu a vejo na vasta visão do horizonte do ponto mais alto, em rios cintilantes, nos gansos que migram e em passeios pela calçada na cidade; ela existe para mim nas latas de lixo, no correr das ratazanas e nos rubis brilhando em vermelho; Ela está lá na aurora boreal, em bosques de sequóias e na bolsa de uma mulher. Eu a ouço nos ruídos de uma estrada e nos ruídos do mar, no grito estridente da presado falcão e no arrulhar do pombo. Seu aroma surge de um amontoado de esterco e do jardim de rosas, do pântano e da lótus. Eu a respiro a cada respiração, e caminho no tempo com o seu caminhar. Se Panenteísta é um termo apropriado para descrever minhas crenças e experiência, politeísta também é. [.....] A maioria do tempo, percebo as deidades como sendo separadas de mim mesma, entidades para se aproximar com reverência e tratar com honra e dignidade-exceto por aquelas entre elas que não têm nada a ver com dignidade. Mas algumas vezes surgiram circunstâncias onde chamava o Divino para falar através de mim. Desde o início, o Divino, quando se manifestou no meu corpo, foi feminino[.....] Quando experimento a mudança de consciência que me transforma em alguma deidade manifestada no meu corpo me sinto extática, no sentido que eu saio de meu estado normal. A mortal Macha retrocede em mim e permite ao Divino falar. Nessas circunstâncias, minha experiência do Divino é transcendente. Transcendo meu eu humano e me abro para a divindade. Vamos olhar para mais um dos “teísmos”: o Henoteísmo. O Henoteísmo trabalha com um conjunto particular de deidades, enquanto não nega a existência de outras. Posso alegremente trabalhar com um único grupo de Deuses, um panteão étnico particularmente- em outras palavras caminhar pela estrada do henoteísmo- quando estou com pessoas que façam desta forma. Tenho dois amigos que, como Sacerdotisa de Hécate e Sacerdote de Hermes, construíram um templo onde realizam rituais de lua negra para as duas divindades, Esta é sua prática religiosa regular. Poderia chamar isso um exemplo de henoteísmo. Gus diZerega nos diz que, uma vez que vemos o mundo como uma dimensão da divindade, ao contrário de estar separado dela, naturalmente buscamos por outras fontes além de textos para legitimar o conhecimento e discernimento espiritual.

 

Alguns Pagãos e Bruxos não “acreditam” em nenhuma deidade, mas ainda assim acreditam ser benéfico falar com e para elas e trabalhar com as mesmas no contexto de um ritual em grupo. Refletindo sobre nossas atitudes a cerca das deidades, Erik Davis observa que ‘muitos Pagãos abraçam estes entidades com uma combinação de convicção e frivolidade, superstição, psicologia e materialismo demais’. São nossas práticas compartilhadas, apesar de nossas crenças individuais, que mantêm nossa comunidade unida.”

Como podemos ver, um praticante da Arte pode perceber o Sagrado de diferentes maneiras. O importante não é a maneira como vemos e compreendemos, mas sim se o nosso contato com ele é efetivo e capaz de promover mudanças interiores que nos levam à cura de nossa alma.

Claudiney Prieto

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